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Programação e caderno

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Segunda 10/06

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Abertura - 10:00-10:50

Antonio Herculano – Diretor do Centro de Pesquisas FCRB

Comitê Organizador: a Proposta do Simpósio

 

Mesa 1 - A polissemia Mina - 11:00 - 12:30

 

A diáspora Mina/Gbe no mundo atlântico

Carlos Silva Jr. (UEFS)

 

Francisco Alves de Souza, a vida cristã de um africano Mina

Mariza Soares (UFF)

 

Mediação: Anderson Machado de Oliveira (Unirio)

 

 

Mesa 2 - Deslocamentos e conexões - 14:00 - 17:00

 

Família Negreira: os Sacoto e o comércio de cativos com a Costa da Mina no século XVIII

Suely Almeida (UFRPE)

 

Marinheiros minas no Atlântico, séculos XVIII e XIX

Jaime Rodrigues (UNIFESP)

 

Intermediações: cultura e comércio nas margens do Níger nas últimas décadas do tráfico Atlântico de escravizados.

Alexsander Gebara (UFF)

 

Entre pretas minas e signares: discutindo gênero, escravidão e liberdade no mundo atlântico

Juliana Barreto Farias (UNILAB)

 

Mediação: Aldair Rodrigues (Unicamp)

 

Sugestão de programa cultural:

 

Samba do Trabalhador (Clube Renascença) - 18:00 às 21:00

(couvert artístico a ser pago no local)

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Terça 11/06

Mesa 3 - Religiões e memórias - 10:00 - 13:00

Identidades e sociabilidade dos “pretos mina” no interior de uma capela (Mariana/MG)

Fernanda Pinheiro (UNILAB)

O retorno como missão: o Daomé sob a lente de dois padres brasileiros em fins do século XVIII

Júnia Furtado (UFMG)

O sítio Dagomé: um terreiro jeje na Bahia do século XIX

Luís Nicolau Parés

 

Rotas Atlânticas e Aljamia: escritas de escravizados da Costa da Mina na Bahia, os manuscritos malês

Priscilla Leal Mello (UERJ)

 

Mediação: Regiane Augusto de Mattos (PUC-Rio)

 

 

Mesa 4 - Trânsitos entre a África e os sertões - 14:00 - 17:00

 

Quem eram os pretos de nação Mina da capitania de Minas Gerais?

Aldair Rodrigues

 

De Hula a Courá, de Courá a Mina Courá: identidade e diáspora entre o Golfo do Benim e a Capitania de Minas Gerais (século XVIII)

Moacir Maia

 

Os Mina nas minas de Goiás: Rotas, Caminhos e trajetórias – séculos XVIII-XIX

Maria Lemke

 

Os africanos minas no sul do Brasil: tráfico de escravos, ascensão social e contendas judiciais

Marcelo Matheus

 

Mediação: Crislayne Alfagali (PUC-Rio)

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Quarta 12/06

 

Mesa 5 - Sociabilidades, línguas e histórias - 10:00-12:00

 

Estudio diacrónico de la influencia de la cultura Mina-Gbé entre África y Latinoamérica

Christian Hounnouvi (Université de Nantes)

 

Antonio da Costa Peixoto’s (1741) Obra nova da língua geral de Mina – witness to linguistic and social interactions in a rural colonial 18th century mining community

Christina Märzhäuser (Universidade de Mannheim)

 

A tradução mina para o terra do branco

Ivana Stolze Lima (FCRB)

 

Mediação: Juliana Barreto Farias (Unilab)

 

Mesa final 12:00 – 13:00

Encerramento e Homenagem a Alexandre Ribeiro (in Memoriam)

Passeio Histórico - 14:30-16:30

Rio de Janeiro, cidade africana. Mônica Lima (UFRJ)

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Resumos

BOLSA DE TABACO

Bolsa de Tabaco confeccionada em couro não identificado e parcialmente tingido. Este exemplar integrou o conjunto de presentes enviados por dadá Adandozan (axossu do Daomé) a dom João, então regente de Portugal, em 1810. Os referidos presentes chegaram ao Rio de Janeiro em 1811 e foram incorporados à coleção do Museu Real por ocasião de sua fundação em 1818. O Daomé não se destaca pelo artesanato em couro. Esse trabalho era característico dos povos ao norte do Daomé cujos comerciantes vendiam seus produtos ao longo das rotas comerciais do Sahel, chegando até o Daomé. Coleção Africana do Museu Nacional. Perdida por ocasião do incêndio de 2018.

Cortesia do Museu Nacional

Exposição completa online em

artsandculture.google.com

Quem eram os pretos de nação Mina da capitania de Minas Gerais?

 

Aldair Rodrigues 

Universidade Estadual de Campinas

rodriguesaldair@gmail.com

 

Esta comunicação examina a formação do termo Mina e seus múltiplos significados enquanto um descritor de origem de diversos povos da África Ocidental trazidos para a região de Minas Gerais durante o século XVIIII. Incluem aí principalmente os grupos da área Gbe e do sudoeste da área Yorubá. A análise considera as dinâmicas do continente africano e seu interior, as dinâmicas atlânticas (incluindo os interesses e logísticas do tráfico) e a experiência social da população escravizada. 

Inspirados no texto de Maria Inês Cortês de Oliveira que decifra os significados do termo “Guiné” na Bahia (OLIVEIRA, 1997) e nos trabalhos de Mariza Soares sobre a experiência Mina Mahi no Rio de Janeiro (SOARES, 2000), exploraremos documentos notariais, fiscais e inquisitoriais visando identificar as relações entre a nação Mina e as nações mais específicas que designavam a procedência de vários grupos. Ou seja, interessa investigar o grau de abrangência desta nomenclatura, sua volatilidade e suas ambiguidades. 

O estudo irá enfocar os grupos do interior da Baía do Benin, particularmente os Savalou, e as relações entre a nomenclatura de suas origens e a larga abrangência da nação Mina. Que significados tais descritores de origem adquirem no âmbito da relações sociais? Que papel a agência africana desempenha nestas dinâmicas? Como estes termos eram acionados em diferentes contextos? Quais marcadores (linguísticos, estéticos, por exemplo, as escarificações etc) a população colonial associava às nações? 

 

Aldair Rodrigues possui graduação em História pela Universidade Federal de Ouro Preto, mestrado e doutorado em História Social pela Universidade de São Paulo (USP), pós-doutorado na UNICAMP (2013-2016) e na Yale University (CT, USA, 2014-2015), onde foi pesquisador no âmbito do Council on Latin American and Iberian Studies, tendo concebido e coordenado a Brazil Lecture Series. É vencedor do Prêmio CAPES 2013 de melhor tese da área de História e do Grande Prêmio CAPES de melhor tese da área de Humanidades. Foi professor temporário do Instituto de Relações Internacionais da USP (2012) e atualmente é professor efetivo do Departamento de História da UNICAMP, dedicando-se ao estudo da diáspora africana no Brasil colonial, com ênfase no tema das escarificações e origens dos povos do Golfo do Benim que foram levados para Minas Gerais no século XVIII. 

 

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Intermediações: cultura e comércio nas margens do Níger nas últimas décadas do tráfico Atlântico de escravizados

 

Alexsander L. A. Gebara

Universidade Federal Fluminense

algebara@gmail.com 

 

Este trabalho procura analisar a atuação de africanos dentro do conjunto de viagens britânicas ao interior da África Ocidental entre 1895 e 1854. Estas viagens são compreendidas como uma faceta do contexto de transformações pelas quais passava a bacia atlântica como um todo, e a África Ocidental em particular, e deixaram um importante conjunto de fontes históricas que compõe o corpus documental desta pesquisa.

Ao longo de séculos de contato, as margens atlânticas africanas foram palco de interações comerciais, políticas e culturais que resultaram da formação de identidades específicas, apresentadas pela historiografia sob várias denominações, tais como Crioulos Atlânticos, Comunidades Atlânticas, Intermediários, Brokers entre outros. No período desta pesquisa, uma série de africanos – que, graças às dinâmicas destas interações nos séculos anteriores, podiam mobilizar mais de um repertório linguístico e cultural – teve atuações significativas para os desenvolvimentos dos empreendimentos ditos ‘britânicos’, e de resto para a conjuntura política local das relações entre europeus e estados africanos do interior ao longo do curso do Baixo e Médio Níger. 

Assim, essa pesquisa apresenta uma análise das agências destes personagens como guias, pilotos, intérpretes, mensageiros, entre outras, no contexto das expedições britânicas ao Níger e como elas mostraram-se fundamentais para o curso desses empreendimentos bem como para as trajetórias pessoais dos próprios personagens.

Alexsander L. A. Gebara é graduado em História pela UNICAMP, Mestre e Doutor em História pela USP, professor Associado de História da África da UFF, membro fundador do GT de História da África na ANPUH, e da associação Brasileira de Estudos Africanos. Vice-diretor do Instituto de História da UFF – Niterói. Autor de “A África de Richard Francis Burton: antropologia política e comércio, 1860-1865” e de uma série de artigos sobre as relações anglo-africanas na costa ocidental da África. Fez pós-doutorado no King’s College de Londres já como parte do desenvolvimento de sua pesquisa atual sobre as dinâmicas relacionais entre as sociedades africanas e o contexto Atlântico na primeira metade do século XIX, com foco na agência de intermediários.

 

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A diáspora Mina/Gbe no mundo atlântico

 

Carlos da Silva Jr.

Wilberforce Institute for the Study of Slavery and EmancipationUniversity of Hull, Reino Unido / Universidade Estadual de Feira de Santana

carlos.ufba@gmail.com

 

Por todo o período do tráfico transatlântico de escravos, quase dois milhões de africanos escravizados deixaram os portos do Golfo do Benim (também conhecido como a Costa dos Escravos) em direção ao Novo Mundo. Apesar do foco da historiografia sobre os africanos iorubás (cuja chegada maçiça nas Américas data da década de 1820), uma grande proporção (embora ainda pouco explorada) dessas pessoas pertencia aos povos da chamada área dos falantes de gbe (Gbe-speaking Area), conhecidos em diferentes partes das Américas (no Brasil, em particular) como minas. Discutir as origens desses indivíduos bem como sua distribuição no mundo atlântico é o objetivo principal dessa comunicação. Baseado em documentos variados das diversas nações participantes no comércio de escravos na Costa da Mina (ingleses, franceses, holandeses e luso-brasileiros) e nas estimativas do Voyages: The Slave Trade Database, minha intenção é compreender como e porque certos grupos foram vítimas da escravização e deportação para as Américas, principalmente durante o reino do Daomé. A análise desses dados em conjunto, por uma perspectiva qualitativa e quantitativa, permitirá determinar (ainda que provisoriamente) a proporção dos diferentes grupos étnicos escravizados durante a expansão das ações escravistas na região. Em seguida, analisarei os fluxos do tráfico dessa região para as diversas regiões do mundo atlântico, com particular atenção para o Brasil, que recebeu mais de um milhão de pessoas trazidas do Golfo do Benim. Ao fazer isso, essa comunicação visa também redimensionar o impacto dessa migração forçada para o Brasil, relativizando o peso dos iorubás e iluminando a diáspora mina/gbe na era do tráfico.

Carlos Silva Jr. fez Graduação em História pela Universidade Federal da Bahia, com Mestrado em História Social pela mesma instituição (com um período sanduíche no Harriet Tubman Institute for Research on the Global Migrations of African Peoples, da York University, Canadá). Atualmente está em fase de conclusão do doutorado em História pelo Wilberforce Institute for the study of Slavery and Emancipation, na University of Hull, Reino Unido. Foi Research Associate no King’s College, em Londres, e atualmente é Professor Assistente na Universidade Estadual de Feira de Santana. É membro do projeto interinstitucional PAST (Peoples of the Slave Trade), sediado na Emory University. Tem experiência nas áreas de História da África, com ênfase na África Ocidental (Costa da Mina/Golfo do Benim),  da diáspora africana para as Américas e do tráfico transatlântico de escravos.

 

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Estudio diacrónico de la influencia de la cultura Mina-Gbé entre África y Latinoamérica

 

Christian Hounnouvi

Université de Nantes

Christian.Hounnouvi@univ-nantes.fr

El lexema Mina es extremadamente rico y complejo; puede aludir a varias realidades y conceptos en función del contexto en el que se utilice. Se refiere a un pueblo que, según los estudios de investigadores como N. Gayibor, R. Pazzi o A. Othily, partió de la ciudad de Elmina, fundada por los portugueses en la Costa de Oro en el actual Ghana, hacia el este y se instaló en las costas del actual Togo, en la ciudad de Anexo (o Anecho). En la actualidad, Anexo es una ciudad ubicada cerca de la frontera con Benín. Este término también hace referencia a la lengua de dicho pueblo, también conocida bajo varias denominaciones y grafías; en documentos que tratan del asunto, se puede observar con frecuencia las palabras Guin, Gen, Ané, Ge, Geh, Ghen o Popo para referirse al pueblo y su lengua. El título de este coloquio, que evoca “los pueblos Mina”, demuestra también la gran variedad de poblaciones que abarca –erróneamente- este significante. Esta multiplicidad de denominaciones no se debe a la casualidad, sino que proviene del parentesco que existe entre el idioma de los Mina de Anexo y otros grupos lingüísticos del Golfo de Benín tales como los Ewé, Ouatchi (también conocidos como Watchi o Wachi) o bien los Aja. En efecto, tras los primeros contactos entre los europeos y los poblados autóctonos, el etnónimo Mina fue aplicado a gran parte de las poblaciones que vivían en la región, seguramente porque compartían características lingüísticas y culturales. Fue por las mismas razones que el término Mina también fue empleado para referirse a la población conformada por los africanos que fueron arrancados de las costas del Golfo de Benín y deportados en las Américas durante la trata transatlántica. Sin embargo, las tradiciones orales de los pueblos de las costas occidentales africanas y los estudios llevados a cabo por varios investigadores demuestran que este término no abarca todas estas poblaciones. De ahí nacen múltiples preguntas: ¿quiénes son los Mina del Golfo de Benín? ¿Qué poblaciones forman parte de esta denominación genérica? Este artículo persigue el objetivo de conocer mejor la esfera cultural Mina en su globalidad. Para conseguirlo, en un primer tiempo, reubicaremos el grupo Mina en su contexto geográfico de las costas africanas; luego lo consideraremos como parte de la esfera lingüística Ewé a la cual pertenece. Dedicaremos la segunda parte de este estudio al análisis de la influencia lingüística y cultural del Ewé en el Golfo de Benín. Para ello, nos apoyaremos en un corpus de palabras y expresiones en lenguas Ewé, Mina, Aja, Fon y Dekanmegbe.

Hounnouvi Christian Coffi é professor da Universidade de Nantes, desde 2014, onde atua na área de língua espanhola, fazendo parte do laboratório CRINI (Centre de Recherches sur les Identités, les Nations et l’Interculturalité - Centro de Pesquisas sobre Identidades, Nações e Interculturalidade).  Após elaborar sua tese e algumas publicações sobre tradutologia e marketing, em relação com as identidades regionais da Espanha, vem deslocando seu interesse para as temáticas da interculturalidade e estudos decoloniais. Seu primeiro trabalho formal sobre tal questão trata de representações de africanos e afrodescendentes na Constituição e manuais escolares mexicanos, apresentado na Universidade de St-Louis, Senegal, em colóquio de 2017.

 

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Antonio da Costa Peixoto’s (1741) Obra nova da língua geral de Mina – witness to linguistic and social interactions in a rural colonial 18th century mining community

 

Christina Märzhäuser 

Universidade de Mannheim

(Christina.Maerzhaeuser@romanistik.uni-muenchen.de

 

The scientific importance of Antonio da Costa Peixoto’s (1741) Obra nova da língua geral de Mina has often been stressed. The glossary bears witness to the vitality of the ‘Mina’ language in Brazil. It is thus a unique source on Ewe-Fon varieties spoken in the African diaspora, an unparalleled and immensely valuable source for comparative and diachronic linguistic research. 

Together with Enrique Rodrigues-Moura (Bamberg), I’m working on a critical re-edition of Peixoto’s two handwritten originals preserved in Portugal in a shorter version from 1731 (National Library Lisbon, Códice 3052, F. 2355) and an extended version from 1741 (Biblioteca Pública de Évora, Códice CXVI/1-14). We hope that our edition of both manuscripts will both provide a useful philological source (without censured parts, first printed edition of the complete 1731 text) and make the document available to a wider English-speaking readership (English texts, glossing of parts of the vocabulary). We’re currently preparing a funding proposal (German funding) for a future digital collaborative research platform that includes a glossary with additional multilingual translations to modern Ewe, Fon, French, English and German, intended as a diachronic linguistic database. All colaborations welcome!

Peixoto’s unique glossary documents a variety of Ewe-Fon (Gbe sub-group of Kwa language family) spoken by slaves in the Brazilian gold mining town of Vila Rica in the 18th century. The entries in Peixoto’s glossary have already been linked to modern Fon (Castro 2002) and will be compared to Gbe-languages and language varieties (Aboh, ongoing) and to modern Ewe (Lomé) in our project. Wellington Santos da Silva (USP) works on a morpho-syntactic description for his PhD (see also de Souza 1998). 

Presumably, it was a koiné version of Ewe-Fon varieties functioning as a local (trade / inter-racial gender relations/ African resistance) vernacular among Africans in Brazil. Peixoto called this variety língua geral de Mina (abbrev. LGM). 

The author, António da Costa Peixoto was born in 1703 in Lamas, Entre-Douro-e-Minho, Northern Portugal and migrated to Brazil as a 12-year old in 1715, lived in different settlements around Vila Rica (today called Ouro Preto) in Minas Gerais, where he worked as a writing clerk and municipal judge (cf. Araujo 2013). We know that Peixoto had frequent relationships with slaves, familiarizing him with the Língua geral de Mina, and that he was publicly scolded for socializing with the African population in a letter sent to Vila Rica’s city council by the inhabitants of S. Bartolomeu in 1741: 

[...] anda metido pellas tavernas com as negras e negros [...] (18/02/1741, quoted in Araujo 2013) ‘He hangs out in taverns with black women and men’, 

Speculations about when, where and with whom Peixoto acquired LGM include a possible acquisition in adolescence during Costa Peixoto’s journey to Minas Gerais via the region of Reconcâvo de Bahia and the inland-route Caminho de Sertão, where L1-speakers from the African ‘Mina’ region were frequent. By the middle of the 18th century, Minas Gerais had over 70% African and Mestizo populations. The majority of the slaves shipped to Brazil at the time were coming from Costa da Mina, captured, among others, from Ewe-/Fon-speaking populations in the regions of today’s Togo, Benin & Ghana. We can be sure about Peixoto’s interactions with African women in the surroundings of Vila Rica, as reconstructed from his testament, and about some spoken / receptive competence in LGM by the author himself, as various historic documents show. 

The 42-page text (in the extended version from 1741) contains 899 lexical entries, more complex expressions and dialogues from different semantic domains of the gold trade (but nor from the field of gold mining!) and everyday life. Semantic fields represented in the glossary can be used for the reconstruction of the historic socio-linguistic communicative setting and functions of LGM, which points to African women as important linguistic and social actors (and also as informants for Peixoto’s work). 

Father of four (illegitimate) children, Peixoto intended to publish the glossary, accompanied by a dedication, a prologue to the reader, and an Advertência, as an additional source of income, and to gain additional prestige, besides his career as a local writing clerk, due to his linguistic knowledge about / competence in LGM. 

That this language played a role in Minas Gerais, the colonial center for gold and diamond extraction, makes sense when we think about trade and ‘desvio do ouro’. It served in inter-racial gender relations, both intimate as public, commercial and private, and was probably passed on as a heritage language by African mothers. In the function of an African resistance vernacular of quilombolas, LGM was a threat to colonial rule (which Peixoto tried to instrumentalize when trying to sell his book). 

Christina Märzhäuser é professora assistente em Linguística Românica na Universidade de Mannheim, e também leciona nas universidades de Augsburg e Munique. É colaboradora do CEHUM, Braga, Portugal. Após a gradução em tradução Inglês - Alemão (1997-2000) e mestrado em Filologia Românica, Comunicação Intercultural e Ciência Educacional no LMU de Munique (2001-2006), concluiu doutorado em Linguística (em regime de co-tutela entre as Universidades de Munique e Coimbra) em 2009, com a tese “Portuguese and Kabuverdianu in contact: pattern of code-switching nda lexical innovation in rap texts from Lisbon” (Märzhäuser 2011), onde explora a linguagem de rappers bilíngues em caboverdiano e português, na cidade de Lisboa. Além dos contatos linguísticos e do estudo das línguas crioulas, considerando tanto as estruturas como os aspectos sociolinguísticos, a pesquisadora tem interesse especial pelas dinâmicas pós-coloniais e usos linguísticos nas produções musicais. Em  2013, começou a pesquisar a Obra Nova da Língua Geral de Mina, e está atualmente preparando uma nova edição dos manuscritos originais de 1731 e 1741, em coautoria com Enrique Rodrigues-Moura, da Universidade de Bamberg. 

 

 

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Confrades do Rosário: identidades e redes de sociabilidade dos “pretos mina” no interior de uma capela (Mariana/MG)

Fernanda Pinheiro

Universidade da Integração Internacional da Lusofonia Afro-Brasileira

fernandapinheiro@unilab.edu.br

Este trabalho visa compreender a organização social de um grupo de escravizados e libertos, encontrado em um núcleo urbano das Minas Setecentistas – Mariana –, e reunido no interior de uma capela pertencente a três irmandades, entre elas, a de maior destaque, a Irmandade de Nossa Senhora do Rosário dos Homens Pretos. Os confrades de tal associação cuidaram da sua estruturação, participando ativamente do demorado processo de construção e ornamentação de uma nova e imponente capela, entre 1752 e 1826. Eles não mediram esforços, tanto que as principais obras, as de maior necessidade e dispêndio, foram feitas com espantosa rapidez – um indício da capacidade de mobilização social e econômica. Sete anos se passaram desde o lançamento da pedra fundamental até a benção e abertura da capela para a celebração do culto divino, em 1758. Visando a continuação de tal empreitada, foi organizada a matrícula dos antigos e novos irmãos, a fim de cobrar as anuidades e cuidar das finanças da irmandade. Para definir as pessoas que estariam a frente de todas essas ações, os confrades disputaram diferentes cargos da mesa de direção. Interessante ressaltar que a análise do perfil dos confrades, bem como dos administradores tornou-se possível com a localização da documentação criada para o controle administrativo da própria irmandade, isto é, os assentos de entrada, as atas de eleição da mesa de direção e seus termos de reunião. Do manuseio dos documentos, da coleta de informações de caráter quantitativo e da formulação de um banco de dados veio a constatação que no interior da referida capela em construção sucederam-se (re)encontros de centenas de homens e mulheres provenientes do Golfo do Benim. E o mais importante: sua reunião em um mesmo espaço devocional permitiu não só a convivência entre indivíduos de um mesmo grupo de procedência – a “nação mina” – como também de grupos étnicos. De fato, nos assentos de entrada da irmandade os devotos foram reconhecidos ou declararam, majoritariamente, seu grupo de procedência e, por vezes, étnico. Ao que parece, essas configurações identitárias eram determinadas a partir da noção de territorialidade, diferenciada por sua abrangência (mina) ou especificidade (courano, lada, cobu, fam, sabaru, etc.). Como sabemos, o grupo de procedência correspondia a uma ampla região do circuito comercial de escravos e esta designação, inicialmente atribuída aos africanos pelos comerciantes e instâncias coloniais, foi progressivamente incorporada pelos traficados que dela se utilizaram na formação de novos arranjos sociais na diáspora. Já os grupos étnicos referenciavam o exato local de nascimento, usualmente expresso pelos escravizados como “terra” ou “pátria” de onde foram retirados e trazidos para o cativeiro no interior da América portuguesa. Desse lado do Atlântico, alguns puderam lançar mão da identidade étnica para marcar suas antigas fronteiras (territoriais e organizacionais). A exemplo disso, a “terra de Courá” foi invocada por parte dos devotos identificados como couranos, os quais, sem dúvida, constituíram o grupo étnico de maior destaque numérico e político na capela da Irmandade de Nossa Senhora do Rosário, na cidade de Mariana, até o limiar do século XIX. Talvez em razão disso, ou na busca de maior proeminência, tal identidade específica tenha sido acionada em distinção àquela compartilhada com a maioria dos irmãos. Essa suposição é aventada pelo fato de os couranos se sobressaírem entre os demais membros daquele corpo de fiéis pela constância na mesa de direção e pela atuação de alguns que se mostravam exímios oficiais e/ou integrantes da corte festiva do Rosário. Enquanto administradores, eles estiveram presentes na formalização de vários contratos de prestação de serviço, nos quais constam detalhes da edificação da capela. No âmbito público das relações interpessoais também participaram de diversos atos que marcaram a trajetória dos irmãos de devoção: foram senhores que concederam alforrias, testemunhos de processos matrimoniais, padrinhos de casamentos, testemunhos da escrita de testamentos, testamenteiros e inventariantes. Sendo assim, na capela da Irmandade de Nossa Senhora do Rosário da cidade de Mariana foram forjadas redes de sociabilidade embasadas em identidades que remontavam à origem africana. E desse processo histórico resultavam não só conflitos intermitentes, mas também uma contínua negociação na reelaboração de condutas adequadas à manutenção e ao reconhecimento social dos confrades do Rosário.

Fernanda Domingos Pinheiro é doutora em História Social pela Universidade de Campinas (Unicamp), onde defendeu, em 2013, a tese “Em defesa da liberdade: libertos e livres de cor nos tribunais do Antigo Regime português (Mariana e Lisboa, 1720-1819)”. Professora Adjunta do Instituto de Humanidades da Universidade da Integração Internacional da Lusofonia Afro-Brasileira (Unilab). Dedica-se à pesquisa e ao ensino na área de História Social da Escravidão, tendo desenvolvido trabalhos sobre as formas de sociabilidade na diáspora africana, na América portuguesa, sobre a defesa do estatuto jurídico de libertos e livres de cor na Justiça colonial e metropolitana e, mais recentemente, sobre o trabalho forçado dos indígenas. Publicou um livro, artigos em revistas acadêmicas e capítulos de coletâneas, entre os quais destacam-se “Modos de sociabilidade: os couranos em uma nova terra” e “Fabião Preto Courá: sociabilidades e identidades em Mariana, século XVIII”.        

 

 

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A tradução mina da terra do branco

Ivana Stolze Lima

Fundação Casa de Rui Barbosa

ivana@rb.gov.br

 

A apresentação resulta do projeto “Diálogos em língua mina e português. Antônio da Costa Peixoto e a comunicação africana na Obra Nova da Língua Geral Mina (Ouro Preto, 1731 e 1741)”, que busca refletir sobre os dilemas, escolhas e possibilidades de comunicação e interação linguística que se apresentaram aos africanos escravizados na experiência americana, envolvendo não só a possibilidade de uso de suas línguas africanas, mas também sua relação com o português e outras línguas existentes. Especificamente, essa apresentação objetiva identificar perspectivas africanas na obra de Peixoto, tomada como sinal de práticas dialógicas características da escravidão na área mineradora na primeira metade do século XVIII. Ali, a significativa presença de povos da Costa da Mina que compartilharam o complexo linguístico Gbe (como os denominados mahi, fon, savalu, coura, jeje, adja), possibilitou uma intercomunicação, entendida por diferentes instâncias da ordem escravista como uma “língua geral”. Em contexto em que a violência da escravização era permanentemente tensionada por diferentes formas de resistência e enfrentamento, a língua geral de mina se tornou corrente entre uma população escrava e liberta de maioria africana e não crioula. Outra marca desse momento foi a inserção das mulheres minas nas redes de comércio e em diferentes instâncias das relações sociais e afetivas, em um quadro de dinamismo econômico,  urbanização e complexificação social característico da exploração do ouro. 

Através de uma releitura fina dos manuscritos, referenciada pelo conhecimento linguístico sobre o complexo Gbe e decompondo as expressões africanas, buscarei trazer à luz um processo de tradução cultural empreendido pelos africanos escravizados no movimento de estabelecer contatos e vínculos, agir politicamente, e afinal, fazer uso da linguagem como elemento central da vida social.  Categorias sociais, espaciais, religiosas e familiares, como o homem branco, a senhora branca, o filho do homem branco, a terra de branco, o deus dos brancos, entre outros exemplos, lidas a partir das expressões africanas (hihabou, hihabouce, boby, hihabouthome, hihabouvodum), são indícios desse processo de tradução e, consequentemente, de uma espécie de co-autoria africana determinante para a elaboração dos referidos documentos. Mais ainda, são indícios de um esforço de compreensão e elaboração simbólica acerca da realidade a que estavam forçados. Apoiada na rica bibliografia já disponível sobre a área mineradora, a análise dialoga com correntes historiográficas que propõem o desafio teórico e metodológico de compreender a escravização de africanos valorizando sua experiência cultural ou, como disse Russel-Wood, o “prisma africano” da história da escravidão e da liberdade.

Ivana Stolze Lima é pesquisadora da Fundação Casa de Rui Barbosa, professora do quadro complementar da PUC-Rio, e colaboradora do Mestrado Profissional em Ensino de História. É Doutora em História (UFF, 2000) e bolsista de produtividade do CNPq. Fez estágio pós-doutoral no Programa de Estudos Africanos da Northwestern University (2010). Autora de Cores, marcas e falas. Sentidos de mestiçagem no Império do Brasil  (Arquivo Nacional, 2003) e organizadora das coletâneas História social da língua nacional (FCRB, 2008) e História social da língua nacional 2: diáspora africana (Nau/Faperj, 2014). Vem publicando artigos na interface entre língua e história, como “Escravos bem falantes e nacionalização linguística no Brasil – uma perspectiva histórica” (Estudos Históricos, n. 50, 2012); “Escravidão e comunicação no mundo atlântico: em torno da língua de Angola, século XVII” (História Unisinos, n. 21, 2017) e “A voz e a cruz de Rita: africanas e comunicação na ordem escravista” (Revista Brasileira de História, n. 79, 2018).

 

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Marinheiros minas no Atlântico, séculos XVIII e XIX

 

Jaime Rodrigues

Universidade Federal do Estado de São Paulo

rodriguesjaime@gmail.com

 

A diáspora africana no Atlântico relaciona-se profundamente à travessia desse oceano em direção à América e à escravização ocorrida neste continente. Uma parcela dos escravizados, porém, engajou-se nas tripulações mercantes e manteve a travessia transatlântica como parte de suas experiências, tanto no período de escravização como após a conquista da liberdade por meio da alforria. Navegar e circular espacialmente tornaram-se, assim, parte relevante de suas vidas.

Esta apresentação vai em busca desse contingente. Ao lidar com a cultura marítima como tema, constata-se a presença de africanos entre os tripulantes de navios que cruzavam os oceanos transportando mercadorias e pode-se conectá-los à construção dessa mesma cultura. Por exemplo, que hipóteses podem ser aventadas para a incorporação desses sujeitos à navegação e quais as intenções envolvidas nisso.

Para tanto, recortei aqui os africanos de origem “mina” ou assim designados nos registros de matrículas de tripulantes em embarcações portuguesas ou luso-brasileiras dos séculos XVIII e XIX. Além de oferecer evidências que permitam inseri-los numérica e fisicamente na construção de uma cultura marítima, o objetivo é apresentá-los em seus aspectos demográficos. Os dados que coletei referem-se a cerca de 250 homens provenientes da Costa da Mina no período recortado. 

O que sabemos sobre eles? Que grafias foram utilizadas para demarcar suas origens? Quais eram as proporções de escravos e de libertos nesse grupo? Eles trabalharam nas mesmas embarcações por tempos prolongados? Engajaram-se nas mesmas rotas ou seguiram percursos diversos? Quais suas idades e tempo de engajamento – portanto, com que idade foram incorporados ao mundo do trabalho marítimo? Que funções exerceram a bordo? Podemos ensaiar uma prosopografia mínima para esses homens a partir dos dados coletados? A apresentação, parte de um trabalho em andamento, traz mais indagações do que respostas.

 

 

Jaime Rodrigues é Professor Associado de História do Brasil e do Programa de Pós-Graduação em História da Escola de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade Federal de São Paulo. Doutor em História pela Unicamp (2000), fez pós-doutorado na USP (2005-2007) e na Universidade do Porto (2015). Publicou, entre outros, os livros No mar e em terra: história e cultura de trabalhadores escravos e livres (São Paulo: Alameda, 2016), De costa a costa: escravos, marinheiros e intermediários do tráfico negreiro de Angola ao Rio de Janeiro -1780-1860 (São Paulo: Cia. das Letras, 2005) e O infame comércio: propostas e experiências no final do tráfico de africanos para o Brasil - 1800-1850. Campinas: Editora da Unicamp / CECULT, 2000. 

 

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Entre pretas minas e signares: discutindo gênero, escravidão e liberdade no mundo atlântico

 

Juliana Barreto Farias

Universidade Internacional da Integração da Lusofonia Afro-brasileira

juliana_bfarias@hotmail.com

 

No Rio de Janeiro do século XIX, as pretas minas libertas eram reconhecidas como grandes comerciantes, donas de expressivo patrimônio, que incluía casas, joias e escravos. Na Praça do Mercado da cidade, essas mulheres, em geral procedentes de “terras iorubas”, trabalhavam lado a lado com seus “parentes de nação”. E para muitas, o casamento na Igreja católica, quase sempre com libertos minas, era essencial para seguirem levando uma vida de respeito, liberdade e estabilidade num “mundo de brancos” tantas vezes hostil. Além disso, essas uniões também podiam assegurar e fortalecer o trabalho em comum que realizavam no mercado e, em consequência, “aumentar a fortuna do casal”, como muitos afirmavam. Suas experiências ainda se conectavam com as de negociantes iorubas e ibos que ocupavam os mercados na costa ocidental da África, especialmente no que se refere a sua autonomia e desenvoltura comercial.

Ao continuar buscando essas conexões com o continente africano, especialmente entre as mulheres tidas como “exímias empreendedoras”, cheguei às wolofs e “mulatas” das ilhas de Saint-Louis e Gorée. Desde pelo menos o século XVIII, as grandes negociantes que viviam ali, conhecidas como signares, igualmente se destacavam em diferentes negócios, eram senhoras de muitos cativos e reuniam um expressivo patrimônio, composto por casas, embarcações e joias. Nascidas naquelas ilhas ou em regiões próximas, elas costumavam se unir a comerciantes ou agentes coloniais franceses, nos chamados “matrimônios à moda da terra”. À sua maneira, essas uniões também eram tidas como essenciais para suas atividades econômicas e sociais. 

Mais do que simplesmente apontar semelhanças e diferenças entre as trajetórias dessas mulheres africanas dos dois lados do Atlântico, meu objetivo, nesta comunicação, é refletir sobre possibilidades metodológicas e teóricas a partir de experiências em contextos diversos, enfatizando questões sobre etnicidade, gênero, trajetórias, escravidão e liberdade. Para tanto, tomarei como ponto de partida um conjunto amplo de fontes, que inclui inventários, testamentos, registros de alforrias, relatos de viajantes estrangeiros, entre outros, coligidos em arquivos do Brasil, do Senegal e da França.

Juliana Barreto Farias é professora-adjunta nos cursos de Licenciatura em História e Bacharelado em Humanidades da UNILAB-Campus dos Malês/BA e do Programa de Pós-Graduação em História “Estudos Africanos, Povos Indígenas e Culturas Negras” da UNEB-Salvador. Doutora em História Social pela USP, fez estagio pós-doutoral em História da África na Universidade de Lisboa (2018-2019), como bolsista de Pós-Doutorado no Exterior (PDE) pelo CNPq, desenvolvendo o projeto de pesquisa “Entre signares e nharas: gênero, escravidão e liberdade na Senegambia (séculos XVIII e XIX). 

Publicou, entre outros, os livros Mercados minas: Africanos ocidentais na Praça do Mercado do Rio de Janeiro (Prefeitura do Rio/AGCRJ, 2015); Mulheres Negras no Brasil escravista e do pós-emancipação, com Flávio Gomes e Giovana Xavier (Selo Negro, 2013), publicado nos Estados Unidos como Black Womem of Brazil in Slavery and Post-Emancipation (Diasporic Africa Press, 2017); e No labirinto das nações: africanos e identidades no Rio de Janeiro, século XIX, com Flávio Gomes e Carlos Eugênio Líbano Soares (Prêmio Arquivo Nacional 2003).

 

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O retorno como missão: o Daomé sob a lente de dois padres brasileiros em fins do século XVIII

 

Junia Furtado

Universidade Federal de Minas Gerais

juniaff@gmail.com

 

Esta comunicação analisa a viagem à África dos padres Cipriano Pires Sardinha e Vicente Ferreira Pires que foram enviados em missão de conversão religiosa, diplomática e de pesquisa científica ao Daomé, entre 1795 e 1797. O ponto de partida é o relato manuscrito resultante dessa viagem, intitulado Viagem de África em o Reino de Daomé, de 1800, cuja autoria é reclamada pelo padre Vicente Ferreira Pires mas que será discutida durante a apresentação. Trata-se de uma rara descrição de cunho luso-brasileiro, realizada em fins do século XVIII, sobre a região do Daomé, na África. Seu estudo permite instigantes considerações sobre inúmeros aspectos, desde as características da elite intelectual luso-brasileira da época, passando pelas estratégias de conversão católicas empregadas na África, ou as formas de realização do comércio negreiro e sua inserção na economia baiana, até a recomposição de aspectos da natureza e da sociedade africana no Daomé e suas relações com a capitania da Bahia. O objetivo é analisar de que maneira o mundo africano é apresentado ao leitor e de que forma essa visão é resultante das formas contraditórias que os dois padres, mulatos, estabeleceram com sua ascendência africana. Permite, a exemplo do que recomenda a moderna historiografia, realizar a história do Brasil numa perspectiva atlântica, conectando Brasil-Portugal-África, a chamada “connected history”.

Junia Furtado é formada em História, professora Titular de História Moderna da Universidade Federal de Minas Gerais, atualmente professora visitante do Departamento de História da UNIFESP. Foi pesquisadora visitante nas universidades de Princeton, Stanford, EHESS, Newberry Library, Instituto Europeu, Universidade de Lisboa, Nova de Lisboa e Universidade de Buenos Aires, com vários livros publicados, entre eles “Chica da Silva e o contratador dos diamantes: o outro lado do mito”; “Oráculos da Geografia iluminista: Dom Luís da Cunha e Jean Baptiste Bourguignon D’Anville na construção da cartografia do Brasil”e “O mapa que inventou o Brasil”.

 

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Os Mina nas minas de Goiás: rotas, caminhos e trajetórias – séculos XVIII-XIX

 

Maria Lemke

Universidade Federal de Goiás

marialemke@gmail.com

 

“Por que o Réu, posto que preto de Guiné, contudo, hé e sempre foi bom catholico, temente a Deus e às justiças”. Este foi o argumento de Francisco Ribeiro, preto mina, ao responder à acusação de feitiçaria e lançador de sorte às mulheres incautas. A acusação partiu de sua senhora, dona Anna de Souza e Oliveira, em agosto de 1814. Raríssimas vezes é possível encontrar referências quanto à procedência dos pretos trazidos para esta capitania. Quase sempre, são registrados a partir do porto de embarque “Mina”, “Angola”. Francisco aparece nesta documentação como “preto mina” assim como a maioria dos escravos adultos batizados entre 1764 e 1792 relativas à Vila Boa, antiga capital da capitania de Goiás, cenário a partir do qual faço esta abordagem. Tomando o libelo que envolve Francisco Ribeiro e sua senhora, temos que: sobre sua procedência não consta nada além da alusão à Guiné, nem com quantos anos fez a grande travessia, em qual porto desembarcou, se Rio de Janeiro ou Salvador; quanto tempo levou da praça onde foi vendido até Goiás; quem foi seu primeiro senhor. Apesar das lacunas, tal documento evidencia que a vida de um escravo mina poderia ser bem agitada. Francisco viajava com seu senhor para o Pará, para Cuiabá e levava documentos de um arraial a outro nos arredores de Vila Boa. Também se alugava em jornais para “ver se melhorava de fortuna”. Se todos os escravos tivessem demandado contra seus senhores, talvez fosse possível conhecer melhor os meandros da escravidão e como escravos conseguiam se mover em meio a tantos interditos e proscrições. No entanto, tais situações ocorreram com raridade. Por isso, a documentação eclesiástica e a fazendária podem complementar algo da história de Francisco. A depender da tipologia documental e da abordagem, Francisco e centenas de outros escravos tornam-se quase anônimos, números. A partir dos registros de batismo, por exemplo, pode-se estimar a quantidade de escravos adultos, a endogamia – ou não – entre grupos e a composição do parentesco ritual. Já na documentação fazendária, é possível identificar os caminhos percorridos dos portos do mar da América lusa até a capitania de Goiás, se eram trazidos em grandes levas, se ladinos ou boçais, a quais atividades se destinavam. O objetivo desta comunicação é problematizar a presença dos pretos mina na antiga capitania de Goiás. Se o velho ditado de que “ter uma escrava mina dava sorte ao minerador” pode ser questionado sob diferentes pontos como apontou Soares (2000), em Goiás essa crença parece ter sido corrente, pois nos livros de registros de batismos de escravos, os mina são a maioria dos cativos adultos batizados. Por seu turno, a documentação fazendária sugere que o principal porto de ligação entre Goiás e a Costa da Mina era Salvador. A proposta ora apresentada ajuda a compreender a presença de tais escravos na capitania de Goiás, cuja sociedade foi forjada pela descoberta do ouro e que, antes do final do século XVIII, sentia a ausência de novos descobertos, o esgotamento de novos veios, o rareamento da importação de novos cativos, mas manteve seu apego à escravidão. Francisco Ribeiro, preto mina, é um bom exemplo não apenas desse apego à escravidão, mas também como um cativo era transformado em escravo (SOARES, 2009), católico temente a Deus, nas regiões centrais da América lusa. O cruzamento de diferentes tipologias documentais é a metodologia empregada para conhecer algo mais sobre suas histórias: suas rotas, caminhos e trajetórias.

Maria Lemke é doutora em História pela UFG (2012), Professora da Faculdade de História da UFG, atua na área de história com ênfase em escravidão, mobilidade social, famílias e mestiçagens. É autora de Trajetórias para a liberdade: escravos e libertos na capitania de Goiás, além de artigos e capítulos de livros.

 

 

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Francisco Alves de Souza, a vida cristã de um africano Mina

Mariza de Carvalho Soares

Universidade Federal Fluminense

marizacsoares@gmail.com

 

Há muitos anos atrás encontrei na Sessão de Manuscritos da Biblioteca Nacional-BN (9,3,11) um manuscrito com 70 folhas numeradas. Seu autor, Francisco Alves de Souza, estava identificado como homem “preto”, vindo da Costa da Mina. De imediato sua leitura levantou um número infinito de questões para uma pesquisadora interessada em estudar a inserção da população escrava no universo religioso da Igreja Católica.

O manuscrito é composto por dois diálogos. O primeiro diálogo narra a conflituosa eleição de Francisco Alves de Souza como rei/regente da Congregação Makii; o segundo narra a conquista portuguesa da África ocidental. Amparada em documentação complementar, confirmei a autoria de Francisco Alves de Souza e estimei sua escrita para o ano de 1786. O “Manuscrito Makii”, como me acostumei a chama-lo, é um documento único no sentido de que apresenta não apenas informações sobre as condições de vida da população escrava africana na cidade do Rio de Janeiro, mas oferece uma narrativa de autoria de um africano, fartamente complementada por documentação local (principalmente registros paroquiais e documentação cartorária) que permite entender o processo de conversão dos africanos e sua aceitação do universo cristão, assim como das condições de escravização a que estavam submetidos.

Minha apresentação neste simpósio recupera outros textos que produzi ao longo dos anos mas tem como novidade se concentrar pela primeira vez numa análise biográfica de seu autor e nas condições em que o manuscrito foi pensado, redigido e apropriado. Para além dos temas tratados nos dois diálogos o texto faz aflorar como um africano escravizado ainda criança elaborou ao longo de sua vida um entendimento do mundo e da salvação no interior do universo cristão, incorporando o projeto de conversão da Igreja.

Mariza Soares é professora aposentada de História da África do Departamento de História da UFF e pesquisadora 1C do CNPq. É autora do livro Devotos da Cor (Civilização Brasileira, 2000) publicado nos Estados Unidos como People of Faith (Duke University Press, 2011); organizadora da coletânea Rotas atlânticas da diáspora africana: entre a Baía do Benim e o Rio de Janeiro (EdUFF. 2007, 2a. ed. 2011) e autora de vários textos referentes aos africanos Mina no Brasil. Entre 2011 e 2018 foi pesquisadora colaboradora do Museu Nacional e curadora da exposição Kumbukumbu: África, memória e patrimônio(Museu Nacional, 2014-2018)

 

 

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Africanos minas no Sul do Brasil: tráfico de escravos, ascensão social e contendas judiciais: a trajetória da Tia Mina Maria Francisca do Rosário

 

Marcelo Santos Matheus

Instituto Federal do Rio Grande do Sul

marcelo.matheus@canoas.ifrs.edu.br

 

A ideia da comunicação nasceu da confluência de duas pesquisas: uma, já encerrada, que buscou analisar as relações sociais/escravistas em um contexto fronteiriço; e outra, em andamento, que procura estudar o tráfico de africanos escravizados para o sul do Brasil. Esta segunda pesquisa tem como objetivo explorar, na falta de outra documentação mais precisa, a possibilidade do uso dos registros de batismo para o estudo do tráfico de africanos para o Brasil, tendo como recorte espacial o Rio Grande do Sul (doravante RS), entre 1780 e 1850.

Com efeito, até pouco tempo atrás, acreditava-se que a escravidão no RS não tinha tido a importância, para a formação social e econômica da região, que teve no restante do Brasil. Fernando H. Cardoso foi um dos primeiros a rever tal noção, todavia, o autor enfatizou que a escravidão foi importante apenas nas charqueadas pelotenses, desprezando a existência da instituição em outros ramos produtivos (CARDOSO, 2003). Porém, uma série de pesquisas vem contribuindo para desfazer tal ideia (OSÓRIO, 2007; FARINATTI, 2010; MATHEUS, 2016). Neste contexto de renovação historiográfica, duas pesquisas se destacam no que diz respeito ao tráfico de escravos para o RS. Nelas, os autores descrevem a origem dos portos (no Brasil) de onde eram remetidos escravos para o sul do Brasil, o número total de cativos, as características dos escravos (se crioulos ou africanos, o sexo, idades, etc.), os grupos de procedência e nações africanas e os períodos em que o tráfico para o RS foi mais importante. Por alto, estima-se que cerca de 35 mil escravos foram importados entre 1788 e 1833 – sendo, destes, dependendo do período, entre 70% e 80% de africanos (BERUTE, 2006; ALADRÉN, 2012).

No entanto, ainda é desconhecido para quais localidades e regiões da província os africanos desembarcados no porto de Rio Grande foram enviados. A principal razão para tal desconhecimento é a inexistência de fontes (sistemáticas) que documentassem esse processo. Por isso, procuramos, através do estudo dos registros de batismo, identificar quantos escravos africanos foram levados às pias batismais nas diferentes capelas do RS entre 1780 e 1850, verificando a representatividade dessa fonte para a análise do próprio tráfico de africanos para o sul da América portuguesa – e, depois, Império do Brasil. Mais precisamente, procuramos responder: afinal, os batismos servem para o estudo do tráfico de africanos escravizados? Ao mesmo tempo, também apreciamos outros aspectos, como o percentual de africanos (frente aos crioulos) batizados, o sexo dos mesmos, de que macrorregiões do continente africano migraram, etc. Para tanto, ou seja, para o projeto ser exequível, dividimos as capelas existentes nesse período em ‘macro-regiões’. Nessa comunicação, iremos tratar da região Porto-Charqueadora – composta pelas capelas de Estreito, Pelotas, Povo Novo, São José do Norte e Rio Grande (exatamente por onde os escravos desembarcavam no RS) –, notadamente a que mais concentrava escravos na capitania/província.

Ao todo, para o primeiro quinquênio do século XIX, já foram coletados quase nove mil registros de batismos de escravos, sendo cerca de 22,5% deles de africanos. Apesar dos africanos da África Central (benguelas, cabindas, congos, angolas, dentre outros) representarem a maioria dos escravizados levados à pia batismal, com efeito, a “nação”/grupo específico que mais aparece nos batismos são os minas/nagôs: nada menos que 413 deles (98% descritos apenas como “minas”), ou cerca 20% do total de africanos batizados, apareceram nos registros. É nesse contexto que as pesquisas se interligam.

Há um bom tempo a historiografia brasileira vem apontando o protagonismo social das africanas minas, tanto durante o período colonial, quanto durante o período imperial (MAMIGONIAN, 2000; FARIA, 2004; MOREIRA, 2005; SHERER, 2008; FARIAS, 2015). Seja como escravas, ou mesmo após a conquista da alforria, essas mulheres aparecem com destaque nas mais diversas regiões e nas mais diversas localidades (independente dos arranjos produtivos que predominavam aqui e acolá). O mesmo pode ser dito para a historiografia que tem como foco diferentes localidades do RS, a qual vem demonstrando a importância das/dos minas na questão da produção de revoltas, na conformação de comunidades que tinham no elemento étnico o seu cerne e também no que diz respeito à conquista da liberdade e ao processo de ascensão social (MOREIRA, 2005; SCHERER, 2008; ARAÚJO, 2016).

Nesse panorama, esta comunicação também tem por objetivo analisar os fragmentos da trajetória da africana mina Maria Francisca do Rosário. Maria Francisca – ou a Tia Mina ou Chica Mina, como também era chamada – viveu boa parte de sua vida na fronteira sul do Império do Brasil, provavelmente primeiro no município de Pelotas (notadamente, uma das capelas da região portuária) e, depois, em Bagé. Nessa região fronteiriça, ela conquistou a liberdade, casou com o “preto livre” e natural da Bahia Apolinário Martins, emprestou dinheiro para suas (assim descritas na documentação) “patrícias” minas, fez parte da Irmandade de Nossa Senhora do Rosário de Bagé, casou a filha Luíza Chapuis (havida com um homem livre, de quem Luíza herdou o sobrenome) com o português Francisco Ferreira Guimarães, tornou-se senhora de outras almas e enfrentou uma série de contendas na justiça. Nesse sentido, cremos que a trajetória de Maria Francisca do Rosário ilustra uma série de questões possíveis de serem abordadas: a migração interna de forros, o (difícil) processo de ascensão social de escravos/forros no Brasil oitocentista, o acesso à justiça como instância mediadora, bem como os laços sociais produzidos por esses sujeitos, os quais tinham na naturalidade, na vizinhança e na participação em irmandades alguns de seus traços mais marcantes. Mas ilumina, sobremaneira, o protagonismo das africanas minas na agência de suas vidas no Brasil.

Marcelo Matheus é Doutor em História Social pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Professor de História do Instituto Federal do Rio Grande do Sul (IFRS). Participa do Grupo de Pesquisa Sociedade e hierarquias no Brasil meridional (1750-1930), ligado à Universidade Federal de Santa Maria, e coordena o Grupo de Pesquisa História social do Brasil, ligado ao Instituto Federal do Rio Grande do Sul, ambos certificados pelo CNPq. Pesquisa História do Brasil, com foco os períodos Colonial tardio e do Império do Brasil, com ênfase nos temas Escravidão, Hierarquia, Desigualdade Social, Produção da Liberdade e Tráfico Atlântico de Africanos. Atualmente desenvolve a pesquisa ‘Escravidão e tráfico de africanos através dos registros de batismo (Rio Grande do Sul, 1780-1850)’, financiada pelo CNPq e pelo Fomento Interno do IFRS. Publicou, dentre outros, o livro Fronteiras da Liberdade: escravidão, hierarquia social e alforria no extremo sul do Império do Brasil ( São Leopoldo: Oikos/Unisinos, 2012), e os artigos A africana mina Maria Francisca do Rosário: escravidão, cor e ascensão social em um contexto fronteiriço (Estudos Ibero-Americanos, 2018) e A produção da liberdade no Brasil escravista (Revista de História (UNESP), 2018). 

 

 

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De Hula a Courá, de Courá a Mina Courá: identidade e diáspora entre o Golfo do Benim e a Capitania de Minas Gerais (Século XVIII)

 

Moacir Rodrigo de Castro Maia

NPHED/Cedeplar/UFMG

moacirmaia@hotmail.com

 

O objetivo deste trabalho é discutir sobre a diáspora de povos do litoral do Golfo do Benim para a capitania de Minas Gerais na América Portuguesa, tendo como foco o estudo da identidade courá/courana. Courá ou courano(a), por sua vez, é a forma como portugueses traduziram o etnônimo Hula para a língua portuguesa (hula > houla > houra > courá). Da mesma maneira hulano > houlano > hourano > courano, utilizado para indicar que se tratava de “gente hula”. Atualmente, Hula é identidade de grupo litorâneo do Golfo do Benim, particularmente entre a atual República do Benim e a República do Togo, na Costa Ocidental da África. Os termos “couranas” e “coiranos” aparece em fontes da administração portuguesa para designar os africanos que estavam em luta contra o Daomé (1743; 1763) na região costeira. Em Minas Gerais, os designativos courano(a)/coirá/courá aparecem desde o final da década de 1710 e no início da década seguinte, quando os primeiros núcleos urbanos estão institucionalizados e a produzir regularmente documentos sobre pessoas e população desses novos territórios. Em Mariana e em Vila Rica de Ouro Preto, dois importantes núcleos mineiros, a declaração de indivíduos deste grupo tendeu a aumentar das décadas iniciais até meados do século XVIII. Foi durante este período, que no Golfo do Benim, na África, o governante do Daomé expandiu seu poder até conquistar o Estado de Uidá (1727) e Jakin (1732), duas das principais áreas costeiras. Nas décadas seguintes, viu-se intenso conflito no litoral africano e a tentativa do povo de Uidá de reconquistar seu Estado – supomos que essa conjuntura levou à diáspora de muitos indivíduos como escravizados, sendo parte deles enviados à América Portuguesa. 

Baseado na análise da documentação mineira, particularmente de Mariana e Vila Rica de Ouro Preto, não há referência significativa a outra identidade da região litorânea do Golfo do Benim durante o século XVIII. Isto nos leva a crer que a identidade courá/courana(o) tornou-se mais inclusiva. Provavelmente pela proximidade territorial e de laços familiares, tanto hulas quanto huedas, outro grupo habitante daquele litoral africano, passaram a se declarar courás/couranas(os) nas duas povoações de Minas Gerais que pesquisamos. Isto não significa dizer que no interior do grupo não havia distinções e contrastes. 

Nesta pesquisa utilizamos diversas metodologias, como a História Serial e a Micro-história, com a construção de grandes bancos de dados para apoiar a reconstrução de momentos da vida do indivíduo e do referido grupo. A metodologia serial com a compilação integral de séries documentais como batismos, casamentos, irmandades, quintos do ouro, testamentos e inventários, nos possibilitou reunir os indivíduos que se declararam ou foram identificados como do grupo courá. Após este primeiro passo, a etapa seguinte foi utilizar dos pressupostos metodológicos da micro-história para acompanhar as ações sociais e processos decisórios dos africanos courás nos batizados de africanos recém-chegados, em batismos de filhos de africanos couranos, na aquisição de escravos por libertos courás, em práticas religiosas africanas, em associações religiosas católicas e em outros momentos. Neste caminho de pesquisa microanalítico, outros corpos documentais foram utilizados para encontrar informações adicionais sobre cada indivíduo que selecionamos e, dessa forma, colaborar na reconstrução de fragmentos de suas trajetórias de vida e, dessa maneira, propiciar mais elementos para nossa observação e compreensão do tema estudado. 

Sobre a questão da identidade étnica, temos como referência os estudos que apontam os vários níveis identitários portados pelo indivíduo. Alinhamo-nos a referência do pesquisador cubano Jesús Ganche Pérez trabalhada por Nicolau Parés e Hypolite Brice Sogbossi para o caso das identidades de africanos na Bahia e no Maranhão. Em Minas Gerais, os courás/couranos foram muitas vezes identificados como africanos minas e em vários casos aparecem declarados como mina-courá ou mina-courano, como um subgrupo mina. O mesmo aconteceu com outros grupos da região do Golfo do Benim declarados como mina-fon, mina-ladá, mina-cobu, mina-savalu... No contexto do Império Português, apontavam ou eram apontados como vindos da chamada Costa da Mina.

Como resultado, nosso estudo comprova que o etnônimo courá é referência a uma identidade africana estabelecida na região costeira do Golfo do Benim, na Costa Ocidental africana, no século XVIII. Além disso, nosso estudo discute como os africanos chamados de courás mantiveram um amplo contato com outros courás, ao longo do século XVIII, nas povoações mineiras analisadas. Reconstruímos várias redes relacionais que demonstram essas ligações “intraétnicas”. O batismo cristão, o sacramento mais disseminado nos domínios portugueses da América, foi muitas vezes espaço de reafirmação de lações de solidariedade e (re)criação de parentesco entre os africanos courás recém-chegados e os courás que se tornaram padrinhos dos mesmos. O reforço dessas alianças também foi observado no batizado de filhos de indivíduos deste mesmo grupo, o que evidencia como africanos escravizados se apropriaram de regras da sociedade dominante a seu favor. A própria violência do processo diaspórico e da escravidão reforçavam ainda mais a necessidade de encontrar algum apoio e solidariedade entre africanos. O estudo aponta para uma intensa ação social destes indivíduos que citam parentes consanguíneos nas povoações mineiras e o reforço de laços com africanos que também afirmavam uma identidade comum que remetia à região costeira do Golfo do Benim. Nas moradias de courás libertos, durante certo período do Setecentos, enquanto havia couranos a serem vendidos como escravizados, eles foram adquiridos pelos senhores africanos. Em uma das moradias, a identificação da maioria de africanos do mesmo grupo étnico do senhor, contrastava com a presença de africanos portadores de identidades que remetiam ao interior do Golfo do Benim: fons, savalus e cobus – o que aponta para um claro sentido de pertencimento e também de contraste identitário.

 

Moacir Rodrigo de Castro Maia é historiador, Doutor em História Social pela UFRJ e pesquisador associado ao Núcleo de Pesquisa em História Econômica e Demográfica do Cedeplar/Face/UFMG. Tem experiência na área de História, com ênfase na História da África Ocidental e História do Brasil Colonial, principalmente nos seguintes temas: identidade étnica, diáspora africana, escravidão e parentesco. Coordena projetos de digitalização e universalização de fontes documentais com enfoque na diáspora africana em Minas Gerais. É autor da tese “De reino traficante a povo traficado: A diáspora dos courás do Golfo do Benim para as minas de ouro da América Portuguesa (1715-1760), Tese (Doutorado em História Social) – UFRJ, 2013.

 

 

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O sítio Dagomé: um terreiro jeje na Bahia do século XIX

 

Nicolau Parès

Universidade Federal da Bahia

lnicolau@ufba.br

 

Esta comunicação apresentará algumas informações sobre a religiosidade dos povos jejes, nome pelo qual eram conhecidos na Bahia os escravizados originários da região da África ocidental sob a influência política do reino do Daomé. Como esse reino estava situado na dita Costa da Mina, os jejes eram às vezes considerados e denominados “minas”. Os jejes professavam devoção às divindades chamadas vodum e suas práticas rituais e valores cosmológicos foram instrumentais para a institucionalização das religiões afro-brasileiras, em particular o candomblé da Bahia. Nesse processo foram fundamentais o acesso e o controle, por parte dos africanos, à terra, para poder “plantar” ou “assentar”, de forma relativamente estável, seus altares, símbolos sacros e hierofanias, em torno às quais se organizava a atividade ritual. 

Para aprofundar a compreensão dessa dinâmica, esta comunicação examina documentação inédita preservada no Arquivo do Estado da Bahia sobre um terreiro ou templo afro-brasileiro conhecido como “sítio Dagomé”, que funcionou na Bahia, pelo menos a partir da década de 1830 e até o final do século XIX. Situado na periferia rural da cidade de Salvador, no atual bairro de São Caetano, o terreiro foi fundado por libertos jejes que “nas festividades do ano ali costumavam fazer seus divertimentos ao uso de sua terra que é Dagomé donde veio este nome ao referido sítio.” 

No espólio da antiga proprietária das terras, em 1893, foi realizada uma detalhada planta topográfica do local, indicando distintas casas e marcadores naturais como fontes, rios e arvores, que permitem visualizar e refletir sobre a organização espacial do templo e possíveis concepções de territorialidade dos seus ocupantes. A comunicação destacará os conceitos de to (curso de água) e atin (arvore) como dois elementos definidores da ecologia cultural própria dos cultos aos voduns. A partir dessa análise será enfatizada a contribuição metodológica da cartografia para fins analíticos e interpretativos. 

A pesquisa permitiu acessar também um longo libelo, datado entre 1874 e 1877, em que a nova proprietária das terras enfrentou os africanos da congregação religiosa reclamando a posse das benfeitorias das arvores frutíferas do local. A disputa entre a proprietária e os rendeiros, reforçada por outras evidências documentais contemporâneas, embasará a análise dos problemas fundiários que os candomblés da época podiam enfrentar, e como eles expressavam as diferenças socioculturais, econômicas e raciais dos atores envolvidos. Nessa discussão será explicitado como a ocupação territorial de área natural para fins religiosos, em que intervinham fatores de ocultação e exigências rituais, se imbricava com a economia agrícola de subsistência da população afrodescendente. O estudo de caso servirá para questionar a presumida condição urbana do candomblé, argumentando a coexistência de um candomblé rural igualmente importante. Para robustecer essa hipótese será apresentada evidência ainda preliminar de uma rede de terreiros jejes na vizinhança do sítio Dagomé. 

A última parte da apresentação comentará o perfil biográfico dos dois primeiros líderes e presumíveis fundadores do sítio Dagomé na década de 1830, Mathias da Silva Guimaraes e João Luiz Ferreira, ambos libertos jejes, senhores de escravos e relativamente afluentes, o último inclusive viajante e comerciante atlântico. Embora fragmentarias, essas informações fornecem indícios das condições económicas e contratuais necessárias para levar em frente uma iniciativa coletiva dessa natureza e da composição social da congregação religiosa. Os dados disponíveis permitem levantar uma genealogia de seis líderes religiosos entre 1830 e 1877. O estudo de caso do sitio Dagomé, além de fornecer rara documentação histórica sobre o funcionamento de um candomblé ao longo do século XIX, servirá para reforçar o argumento de que a reprodução sociocultural das práticas religiosas afro-brasileiras sempre esteve associada a dois vetores fundamentais, o já mencionado controle do território e a cooperação entre africanos e sua descendência crioula. 

 

Luis Nicolau Parés é Professor Associado do Departamento de Antropologia da Universidade Federal da Bahia. Seus interesses de pesquisa incluem a história e a antropologia das religiões africanas e afro-brasileiras e suas transformações no mundo atlântico. É autor de A formação do candomblé: história e ritual do vodum na Bahia (Editora Unicamp, 2007), O rei, o pai e a morte. A religião vodum na antiga Costa dos Escravos na África Ocidental (Companhia das Letras, 2016), coautor com Daniela Moreau de Imagens do Daomé: Edmond Fortier e o colonialismo francês na terra dos voduns (1908-1909) (Martins Fontes, 2018) e organizador, com Roger Sansi, de Sorcery in the Black Atlantic (The University of Chicago Press, 2011).

 

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Rotas Atlânticas e Aljamia: escritas de escravizados da Costa da Mina na Bahia, os manuscritos malês

Priscilla Leal Mello

Universidade do Estado do Rio de Janeiro

priscillalmello.uerj@gmail.com

 

O preto Domingos, de nação haussá, escravo de João Pinto Leite, é o escravo que mais escreveu textos corânicos, orações islâmicas e amuletos, segundo a série de Documentos Árabes do Arquivo Público do Estado da Bahia, no Império do Brasil. Dos 30 documentos em caracteres árabes apreendidos pela Devassa do Levante Malê em 1835 em Salvador e no Recôncavo, na Bahia, seis são de sua escrita. Outro texto a ele atribuído é o Documento nº 5, também da 1ª Série, composto de três partes: uma curta oração, o verso 255 da Sura 2 do Alcorão e o verso 128 da Sura 9. Os documentos nº 6 da mesma Série, bem como os documentos nº 10 e nº 11 da 2ª Série, que compreende orações islâmicas (não-corânicas), e o Documento nº 24 da 3ª Série de Documentos Árabes do Arquivo Público da Bahia (APBA), que agrega amuletos e exercícios de escrita, também foram identificados como tendo sido escritos por Domingos. Inegável, portanto, a participação de africanos escravizados dessa etnia naquele que o historiador João José Reis classifica com o maior levante de escravos nas Américas.

Uma leitura cuidadosa das três Séries de Documentos Árabes do APBA logo acrescenta à cena do levante o seu colorido nagô. O nagô Torquato, provavelmente um liberto, pois não traz consigo o nome de seu dono, escreveu os documentos nº 7 e nº 9 da Iª Série do Levante. Ao nagô Luís, escravo de Antônio da Rocha, são creditadas as escritas dos documentos nº 15 da 2ª Série e o de nº 20 da 3ª Série. Outro nagô, de nome Lúcio, escravo de José Francisco Moreira, realizou dois exercícios de escrita, segundo se pode observar na 3ª Série de Documentos Árabes do APBA, os de nº 23 e nº 27. As matizes étnicas nagô e haussá da Rebelião de 1835 revelam-se nessa documentação. E parecem sugerir um equilíbrio de produção escrita em caracteres árabes, como que a indicar um volume muito próximo de produção escrita de haussás e de nagôs.

Domingos, Torquato e Lúcio são alguns dos escribas malês do Império do Brasil, identificados como haussás e nagôs. Etnias e identidades tornaram-se temas recorrentes nos estudos acerca da presença de africanos no Mundo Atlântico, sobretudo para os pesquisadores que se dedicam à investigação sobre as formas de organização dos africanos no cativeiro e as relações que essa dinâmica mantém com suas procedências. Escrever manuscritos em “caracteres estranhos” é uma prática na África Ocidental. Os malês analisados nesta pesquisa por lá pela primeira vez aportaram após a Jihad fulani de Usman dan Fodio (1804) contra grupos étnicos na região do Califado de Sokoto. Foi a primeira vez na História que as cidades-estado Haussás estiveram sob um comando centralizado. 

Compreender essa dinâmica nos permite estabelecer as conexões do tráfico dos grupos étnicos dessa região para Salvador e, posteriormente, para o Rio de Janeiro, a partir da Baía do Benim, que na documentação portuguesa, à diferença da inglesa e da francesa, aparece em sua terminologia quinhentista como Costa da Mina. Os malês dos Documentos Árabes do APBA e dos Anais da Devassa do Levante de 1835 do Arquivo Público do Estado da Bahia trazem dessa região de tradição islâmica as suas histórias, suas escritas rebeldes. Ainda estamos trabalhando em hipóteses acerca de aproximações das escritas malês com as africanas da região da Mina. Neste trabalho queremos demonstrar as proximidades que essas escritas de dimensões atlântica – no eixo África, Américas e Europa – guardam com as de seus antepassados na Península Ibérica Cristã e mesmo com a América Protestante. Essa interpretação nos possibilitou inserir o Império do Brasil em uma dimensão Atlântica, mediante interpretações dos Documentos Árabes do APBA à luz da Literatura Aljamiada produzida na Península Ibérica. 

Nossa abordagem consiste em ampliar as análises acerca das práticas de escrita e leitura do malês, analisadas por historiadores renomados – dentre eles João José Reis, Nikolay Dobronravin, Nina Rodrigues, Antônio Rodríguez - levando em consideração a aljamia no circuito Atlântico da Diáspora Islâmica, entre África, Europa e Américas. Para o caso do estudo dessa escrita nas Américas, ressaltamos as contribuições de Paul Lovejoy, Daddi Addoun, Maria de Carvalho Soares e Sylviane Diouf. Clara está a filiação desta pesquisa ao conceito de Mundo Atlântico de Paul Gilroy. 

A literatura aljamiada definiu-se em seu aspecto formal como a escrita em romance hispânico-castelhano, aragonês, catalão ou valenciano – cujos autores utilizaram-se de caracteres árabes. No caso do Império do Brasil, apresentaremos a análise de um manuscrito, segundo estudo de Rolf Reichert, tradutor e estudioso da série de manuscritos árabes utilizados como fontes para nosso estudo, que se apresenta como uma autêntica escrita aljamiada, nas terras de Salvador e do Recôncavo. Sob o aspecto linguístico, a escrita aljamiada utiliza-se do alfabeto árabe para escrever em outro idioma. Sua função social, para os povos da Diáspora, sugere a dissimulação de intenções em mensagens de resistência, rebeldia e transformação da vida na condição de escravizados. 

É possível identificar formas de escrita no Império do Brasil muito próximas de uma determinada literatura mourisca, aljamiada, encontrada entre as comunidades de muçulmanos subordinadas pelos cristãos. Por que escrever? Como construíram sociabilidades para a escrita no sistema escravocrata? De que forma conseguiam os materiais? A tinta? As folhas de flandres? Quem eram seus donos? Quais etnias participavam das escolas? Havia escola escrava? Qual documento árabe escrito pelos malês revela essa inserção na literatura aljamiada? São perguntas que pretendemos responder a partir de um contexto Atlântico.

 

Priscilla Leal Mello é professora adjunta do Departamento de Ciências Humanas da Faculdade de Formação de Professores (FFP) da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ). Atua como docente da área de Teoria e Metodologia de Ensino de História, promovendo estudos e pesquisas no âmbito da História da África e Ensino, bem como da História da Escravidão e das Relações Étnico-Raciais nas salas de aula. Atualmente, é coordenadora de área do Subprojeto História do Programa de Iniciação à Docência – PIBID, desenvolvendo o projeto Manuscritos Escolares e Letramento em História, que propõe abordagens que sensibilizem licenciandos bolsistas e alunos do Ensino Fundamental e Médio acerca da relevância dos temas de pesquisa desenvolvidos na universidade, cujas temáticas consideramos marcos sociais da desigualdade no Brasil de hoje. A pesquisa que ora apresento é resultado da tese de doutorado apresentada ao Departamento de História da Universidade Federal Fluminense (UFF). Publicou, dentre outros, o livro Escolas Escravas, Madraças Corânicas: leitura, escrita e geomancia malê no Império do Brasil (Niterói: Intertexto, 2015).

 

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Família negreira: os Sacoto e o comércio de cativos com a Costa da Mina no século XVIII 

 

Suely C. Cordeiro de Almeida

Universidade Federal Rural de Pernambuco

suealmeida.ufrpe@hotmail.com

 

O propósito desse trabalho é apresentar resultados iniciais de uma investigação que vem sendo desenvolvida desde de 2013 sobre o processo que envolveu Pernambuco e a Costa da Mina na África Ocidental e o comércio de pessoas que receberam a denominação de povos “Mina”. Pernambuco foi considerado pela historiografia o quarto porto nas Américas e terceiro no Brasil que mais recebeu escravizados durante o tempo em que foi realidade a escravidão, fosse legal ou ilegal. No entanto, foi o menos estudado. Entendemos que, para uma compreensão mais circunstanciada do que foi o comércio de cativos para o Brasil e em especial Pernambuco, se faz necessário ampliar e aprofundar conhecimentos baseados em pesquisa empírica sobre o terceiro porto no Brasil e o comércio de gente. 

Estudos sobre a escravidão se constituem em um tema clássico, no entanto, a historiografia pernambucana é carente, principalmente no que tange ao período colonial. Assim novas abordagens sobre o tema foram surgindo de um processo de renovação historiográfica ligada à perspectiva das Histórias Conectadas (Connect History) que aproximaram centros e periferias, demonstrando uma ampla circulação de pessoas, bens e culturas entre o novo e o velho mundo, incorporando a África, aqui em nosso caso a parte Ocidental. O Atlântico foi incorporado não apenas como um obstáculo a ser transposto, mas como um espaço que desenvolveu uma cultura própria, criada a partir das demandas provocadas por ambas as margens. As conexões entre Pernambuco e a Costa da Mina se inserem nessa nova perspectiva de abordagem e entendimento, construindo-se a partir de especificidades do local, mas indissociavelmente inseparável de parâmetros globais que nortearam as ações de agentes e instituições. As fontes utilizadas, não será excesso dizer, são bastante fragmentadas. A maior parte dos livros de registro como: “Livros de despacho da escravaria”, “Livros de cargas vivas” e mesmo os livros de “Despacho de Alfândega de Pernambuco” ou da Provedoria, desapareceram ou os que existem estão praticamente em branco. A trama para realizar uma aproximação ao tema tem que ser bem urdida, aproximando vários fundos depositários com documentação de teor diferenciado. Tem sido muito difícil construir quadros, mas mesmo enfrentando dificuldades é possível chegar a resultados, a partir de fragmentos encontrados e reagrupados. 

Foi segundo essa metodologia de compor quadros com fragmentos dispersos e amparada nas conexões possíveis entre as margens atlânticas, que chegamos à família Freitas Sacoto. Os dados sobre eles nos permitiram, perseguindo sua trajetória, elucidar múltiplos aspectos do comércio de escravizados no século XVIII. O recorte informativo vai do final do século XVII até a década de 1770. 

O trânsito entre Portugal e seu ultramar foi intenso. Para o Brasil e em especial para Pernambuco migraram muitos jovens portugueses. José de Freitas Sacoto, o patriarca da família, chegou a Pernambuco com 17 anos em 1699. As notícias que nos chegam de sua família no reino o colocam numa casa de pequenos lavradores, ligados a outros pequenos comerciantes que serviam no balcão da loja. Mas seu trabalho árduo como comerciante na Praça do Recife, levou-o a uma significativa inserção social, tornando-se familiar do Santo Oficio, participante na Câmara do Recife e na Ordem Terceira do Carmo, honrarias alcançadas por filhos e netos. 

Os Sacoto viviam entre Pernambuco e Portugal, possuindo residências em ambas as localidades, bem como casas comerciais administradas pelos membros da família (pai, filhos e netos). José de Freitas Sacoto, Ignácio de Freitas Sacoto, Máximo de Freitas Sacoto e José Ignácio de Freitas Sacoto, o último neto do patriarca, foram mestres e capitães de navios, proprietários de embarcações das quais exerceram senhorios nas viagens realizadas à Costa da Mina e contratadores de direitos de desembarque de cativos no Porto do Recife em Pernambuco. Eles enfrentaram todos os problemas e reveses que surgiram da atividade como: fuga do fisco, naufrágios, embates por direitos dos contratos arrematados e realizaram longas viagens à costa da África Ocidental encarando todos os contratempos que uma empreitada para resgate poderia suscitar. Sempre estiveram atentos às fórmulas de ganhar nesse “infame comércio”, participando dos leilões de pessoas no Porto e Alfândega do Recife. A família atuou em todas as frentes fosse recorrendo às decisões do Conselho Ultramarino, quando pediram direitos de cobranças, e/ou à Mesa da Consciência e Ordens, para pedir dispensa de qualidade. Os Sacoto conseguem esclarecer como o comércio de gente pode fazer catapultar, para o centro de uma elite, um homem de origem humilde. Eles tiveram no fim da vida, respeito, nobilitação, foram tratados de acordo com a “lei da nobreza”, pois possuíam terras, criados, cavalos e foram considerados homens de negócio de grosso trato. Suas atividade sempre foram vistas como honradas e engrossadoras dos cabedais da fazenda real. Em nenhum momento escravizar pessoas foi visto como mácula ou defeitos, mas pelo contrário foi uma tarefa louvada e recompensada com honras pela monarquia portuguesa. 

Suely Creusa Cordeiro de Almeida graduou-se em História na Universidade Católica de Pernambuco. Obteve o grau de mestre, com o estudo “A Companhia de Navegação Pernambucana Costeira por Vapor (1850- 1908)”. Doutorou-se em História pela Universidade Federal de Pernambuco, com bolsa sanduíche ligada a Universidade Lisboa em 2003, com a tese O Sexo Devoto: normatização e resistência feminina no Império Português XVI –XVIII (Editora Universitária da UFPE, 2005). Em 2009, cumpriu o estágio Pós-Doutoral junto ao professor Antonio Manuel Hespanha na Universidade Nova de Lisboa. Integra o corpo docente da Graduação e Pós-Graduação do Curso de História da Universidade Federal Rural de Pernambuco e da Pós-Graduação em História da Universidade Federal de Pernambuco. Publicou, entre outros, os artigos “Rotas atlânticas: o comércio de escravos entre Pernambuco e a Costa da Mina (c. 1724-c.1752)”. (História, v. 37, 2018), “O comércio das almas: as rotas entre Pernambuco e costa da África - 1774-1787”, em coautoria com J. R. Sousa (Revista Ultramares, v. 1, 2013) e o capítulo “O Atlântico e o comércio negreiro”. In: Silva, Francisco Carlos T.; Leão, Karl S. Sousa; Almeida, Francisco E. (Org.). Atlântico História de um Oceano. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2013.

 

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